quarta-feira, 17 de novembro de 2010

As Travestis e A Presidenta

Texto de Dário Neto, recebido por email e originalmente postado no MUNDOMAIS

Gostei do que li e, seguindo a linha, compartilho com vocês.

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As Travestis e A Presidenta (Dário Neto)

Após a eleição da presidenta Dilma Rousseff, uma discussão no campo da gramática tratada como secundária tornou-se um grande debate entre gramáticos nas diversas mídias brasileiras. “A Presidente ou A Presidenta?” Qual sua forma correta?

Sem entrar no mérito dessa segunda pergunta sobre o conceito de correto ou não, uma vez que a língua viva se transforma em seu uso cotidiano, o que me chama a atenção é o lado supérfluo que ocupa o debate em torno do resultado das eleições presidenciais.

Alguns gramáticos têm defendido a validade dos dois usos, outros mais conservadores, por meio de uma noção puramente subjetiva, defendem a manutenção de “presidente” acompanhada pelo artigo feminino e outros de postura ideológica feminista – com os quais me identifico – reivindicam o uso do adjetivo no feminino. Embora essa discussão esteja pautando a mídia ultimamente, não gostaria de abordá-la pela “porta da frente”, mas por outra porta.

Se a concordância gramatical ou manutenção das formas determinadas pela gramática são tão importantes assim, pergunto: por que os guardiões da norma culta, de um modo geral, não se incomodam com o fato de, notícia após notícia sobre travestis no Brasil, a imprensa violar a sacrossanta regra gramatical quanto à concordância nominal? Se não, vejamos: ao tratar da morte da travestiAndréa Albertini, o site da Folha de S. Paulo, em 09 de julho de 2009, apresenta a matéria do seguinte modo:

"Morreu nesta quinta-feira O travesti Andréia Albertini, que se envolveu em polêmica com o atacante Ronaldo, do Corinthians. André Luiz Ribeiro Albertini, nome verdadeiro do travesti, estava internado na UTI do Hospital Nardini, em Mauá (Grande SP), havia dois dias." [Folha de S. Paulo, 09 de julho de 2009]


Apenas como um exemplo das diversas notícias que tratam sobre travestis, vemos a insistência de jornalistas manterem o artigo masculino, apesar de se referirem a nomes femininos conforme o texto. Segundo a Moderna Gramática Portuguesa do professorEvanildo Bechara sobre concordância nominal: “A palavra determinante irá para o gênero e número da palavra determinada”.

Assim, no exemplo citado a palavra determinada é o substantivo próprio Andréia, sendo o artigo e o adjetivo seus determinantes. ODicionário Aurélio, em sua segunda edição, que tenho em mãos, indica o termo “travesti” como substantivo masculino. Ora, poderiam argumentar que, se travesti é um substantivo masculino, a concordância está correta. Contudo, a função desta palavra está de acordo com a definição dada por Bechara para a função de adjetivo:

"(...) é a classe de lexema que se caracteriza por constituir a delimitação, isto é, as possibilidades designativas do substantivo, orientando delimitativamente a referência a uma parte ou a um aspecto do denotado". (Idem, Ibidem).


Logo, o termo travesti cumpre sua função adjetivante ao nome próprio Andréia. Nessa lógica, o artigo definido determina não o adjetivo travesti, mas o substantivo próprio, devendo, portanto, concordar em gênero com o nome. Desse modo, vemos constantemente a violação da regra gramatical pela imprensa ao insistir em manter o uso do masculino, embora se refira a um substantivo feminino.

Obviamente, tal prática não se trata apenas de um “erro” de concordância nominal da Língua Portuguesa, mas à resistência de nossa cultura conservadora em aceitar que a identidade de gênero de um indivíduo não deve ser determinada pelo fator biológico, mas pela identidade social que o indivíduo assume para si.

Se nossas militantes Janaína Lima ou Miriam Queirós, ambas de São Paulo, Fernanda Benvenute, da Paraíba, Keila Simpson, da Bahia, e muitas outras transexuais e travestis do Brasil e do mundo se apresentam com o nome feminino, porque a imprensa não respeita essa identificação e utiliza o artigo no feminino conforme as regras gramaticais?

Violação – Se essas regras são tão importantes a ponto de suscitar o debate sobre o uso do termo “presidente” para os defensores da gramática, por que os tais defensores não se incomodam ao ler na imprensa essa constante violação das regras que tanto defendem? A razão disso não pode denotar outra coisa, senão a parcialidade de muitos gramáticos na defesa da forma “correta” do termo presidente. O movimento de travestis e transexuais tem lutado, com insistência, para o uso legal de seus prenomes com os quais se identificam, tornando essa discussão relevante e fundamental, embora os gramáticos e a imprensa não lhe deem o devido tratamento.

Por considerar como salutar à nossa sociedade a discussão em torno da concordância nominal entre o artigo e o prenome de travestis e transexuais – não meramente pelas regras do Português, mas por seu caráter político e ideológico –, convido tanto a imprensa, quanto os professores da Língua Portuguesa a mudarem o foco do debate em torno da “demanda” presidencial e discutirem, de modo muito substancial, a violação gramatical dos direitos de travestis e transexuais como forma de propagar, no debate, uma educação fundada na tolerância, no respeito e na dignidade da pessoa humana.
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Dário Neto, membro do Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual do Município de São Paulo, membro do Prisma – USP, grupo universitário de Diversidade Sexual, membro do Conselho Universitário da USP, doutorando em Literatura Brasileira pela USP e diácono da Igreja da Comunidade Metropolitana – ICM-SP

-Imagens: Janaina Lima (querida amiga) de azul e Dilma Rousseff (presidenta eleita) de vermelho.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

CONTRA a anulação do ENEM

Pra começar penso que a anulação do ENEM, de forma geral e irrestrita é um absurdo. Temos sim, que ter uma prova substitutiva FACULTATIVA. Não podemos prejudicar quem está satisfeito. E é muita gente.

O texto abaixo é de um email enviado para as autoridades do judiciário, cujos endereços estão aparentes, pra um rápido "copiar e colar". O texto que segue pode ser copiado integralmente, parcialmente, reescrito e utilizado da melhor forma, desde que seja pra manifestar o apoio as pessoas que fizeram a prova e agora correm o risco de terem meses de esforços anulados.

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To: dirvara7@jfce.jus.br, ouvidoria@oab.org.br; gabinete.pgfn@pgfn.gov.br; presidencia@oabsp.org.br; enem2010@dpu.gov.br; consed@consed.org.br;aeci@mec.gov.br; acsgabinete@mec.gov.br
Subject: CONTRA A ANULAÇÃO DO ENEM - AGUARDO RETORNO
Date: Wed, 10 Nov 2010 21:02:04 -0200


Exma. Sra. Karla de Almeida Miranda Maiada

Juíza Federal da 7ª Vara – CE

Com cópia:

Advocacia Geral da União - Ilmo. Dr. Luís Inácio Lucena Adams

Ordem dos Advogados do Brasil - Ilmo. Dr. Ophir Filgueiras Cavalcante Junior

Ordem dos Advogados do Brasil - São Paulo - Ilmo. Dr. Luiz Flavio Borges D´Urso

Defensor Público-Geral Federal – Ilmo. Dr. José Rômulo Plácido Sales

Conselho Nacional de Secretários de Educação – Ilma. Sra. Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde

Ministério da Educação – Ilmo. Sr. Fernando Haddad


Ilustríssimos Senhores,

Venho nesta ocasião respeitosamente solicitar a revogação da decisão da Juíza Federal da 7ª Vara – CE, Exma. Sra. Karla de Almeida Miranda Maiada, que determinou a anulação do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, aplicado no fim de semana de 06 e 07/11/2010. A seguir, explico os motivos de meu pedido:

Entendo que qualquer certame pode contar com erros, tanto em sua elaboração quanto em sua aplicação, fato que é certamente agravado pelo grande número de candidatos que fizeram as provas. Não considero que os erros sejam aceitáveis ou que não tenham prejudicado algumas pessoas, porém, a reaplicação obrigatória da prova para todos, sem distinção das situações, seria um erro de maior gravidade ainda, pois conseqüentemente prejudicaria a população de jovens que não tiveram qualquer percalço para realização da prova.

Além do mais, há de se considerar que o exame é extremamente longo e cansativo, uma vez que os candidatos foram submetidos a permanecer longos períodos em posição desconfortável, em cadeiras que em sua maioria não são anatômicas, resolvendo questões que exigiam leitura, concentração e cálculos. Tal condição de aplicação da prova resulta em um cansaço extremo e, ademais, considero que seria uma falta de respeito à nossa dignidade e à nossa saúde. Diante disso, a pergunta que fica, é: será que é justo que tenhamos que passar novamente por esse sacrifício, por erros que independem de nossas competências, sem ao menos sermos consultados se esta é a melhor decisão para nós?

Portanto, caso as provas sejam reaplicadas a todos, considero uma afronta aos Direitos Humanos dos estudantes, uma vez que seria desumano e degradante submeter a nós, jovens que já fizemos o exame, a tal procedimento extenuante novamente, sem ao menos nos perguntar nossa opinião a respeito.

Concluo, portanto, que de maneira alguma a reaplicação do ENEM para todos trata-se da melhor solução para esse problema e sugiro fortemente que sejam tomadas as providências cabíveis no sentido de reaplicar a prova APENAS PARA OS ESTUDANTES QUE SE SENTIRAM PREJUDICADOS, colocando tal escolha à disposição de TODOS que passaram pelo exame, para que assim cada um possa livremente decidir o que considera ser melhor para si próprio. Essa seria a forma mais justa e democrática de resolver o impasse.

Ressalto ainda que, caso o exame seja mesmo anulado, tomarei as providências cabíveis no sentido de exigir indenização por ter sido prejudicada - não com o exame, mas sim com sua anulação.

Desde já agradeço a atenção de todos e, na condição de cidadã, fico no aguardo de um posicionamento.

Respeitosamente,

(seu nome e RG- ou outro número de documento oficial)

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