segunda-feira, 30 de maio de 2011

Vídeos do Kit Anti-Homofobia


Pra quem ainda não viu os vídeos "absurdos" do chamado "kit-gay", eis uma oportunidade.

Ainda estou procurando algo de verdadeiramente inadequado. A gente sempre acha uma ou outra coisinha que poderia estar melhor, mas convenhamos que são preciosismos. Coisa que bastaria a presidenta falar ao MEC: "_Por favor, dê uma ajustadinha aqui!". Muito diferente que suspender o material (e jogar na vala o trabalho de toda uma equipe responsável e articulada).

Se o material fosse um perigo social, o CFP- Conselho Federal de Psicologia não teria sido FAVORÁVEL a seu conteúdo (para ler o parecer do Conselho, clique AQUI). Fazer psicologia de botiquim e dizer o que vier na cabeça em nome dela, todo mundo pode. Agora, consultar as fontes, como a que citei, por exemplo, seria um bom começo.

Também queria saber onde tem "propaganda de opção sexual", como diria a Presidenta Dilma. Encontrei foi material para que as pessoas vivam bem consigo mesmas, apesar de ter sua sexualidade abominada pela sociedade.

Inclusive, ter novelas, filmes, propagandas de tv, cartilha na escola, revistas femininas, jornais de toda ordem apresentando, quase que na totalidade, apenas a realidade de casais heterossexuais, não seria "propaganda de opção sexual"? E dar direito civil pleno a apenas esses casais, como poderíamos chamar isso?

Já sobre os tais "costumes" sociais... Isso vale também para o nosso "costume" de espancar criança, matar mulheres, pagar menos a pessoas negras, jogar nossos jovens na cadeia, roubar dos cofres públicos?

Abaixo os vídeos da campanha e mais dois, de brinde.

VÍDEOS ESCOLA SEM HOMOFOBIA

Torpedo




Encontrando Bianca




Probabilidade




OUTROS VÍDEOS:

Suicídio de Garoto Gay




Propaganda anti bullying

domingo, 22 de maio de 2011

A Margarida Enlatada (Caio Fernando Abreu)


Tem um conto de Caio Fernando Abreu, que fala de margaridas (enlatadas)...
Uma referência à moda, coisas descartáveis, passageiras, da sociedade de consumo...
Enfim, aquela margarida vista no vídeo Oração (Banda Mais Bonita da Cidade) é o avesso desta.

Deixo vocês com o conto.
O coração, amando.


A MARGARIDA ENLATADA (Caio Fernando Abreu)

I

Foi de repente. Nesse de repente, ele ia indo pelo meio do aterro quando viu um canteiro de margaridas. Margarida era um negócio comum: ele via sempre margaridas quando ia para sua indústria, todas as manhãs. Margaridas não o comoviam, porque não o comoviam levezas. Mas exatamente de repente, ele mandou o chofer estacionar e ficou um pouco irritado com a confusão de carros às suas costas. O motorista precisou parar um pouco adiante, e ele teve que caminhar um bom pedaço de asfalto para chegar perto do canteiro. Estavam ali, independentes dele ou de qualquer outra pessoa que gostasse ou não delas: aquelas coisas vagamente redondas, de pétalas compridas e brancas agrupadas em torno dum centro amarelo, granuloso. Margaridas. Apanhou uma e colocou-a no bolso do paletó.
Diga-se em seu favor que, até esse momento, não premeditara absolutamente nada. Levou a margarida no bolso, esqueceu dela, subiu pelo elevador, cumprimentou as secretárias, trancou-se em sua sala. Como todos os dias, tentou fazer todas as coisas que todos os dias fazia. Não conseguiu. Tomou café, acendeu dois cigarros, esqueceu um no cinzeiro do lado direito, outro no cinzeiro do lado esquerdo, acendeu um terceiro, despediu três funcionários e passou uma descompostura na secretária. Foi só ao meio-dia que lembrou da margarida, no bolso do paletó. Estava meio informe e desfolhada, mas era ainda uma margarida. Sem saber exatamente por que, ficou pensando em algumas notícias que havia lido dias antes: o índice de suicídios nos países superdesenvolvidos, o asfalto invadindo as áreas verdes, a solidão, a dor, a poluição, a loucura e aquelas coisas sujas, perigosas e coloridas a que chamavam jovens. De repente, a luz. Brotou. Deu um grito:
—É isso!
Chamou imediatamente um dos redatores para bolar um slogan e esqueceu de almoçar e telefonou para suas plantações e mandou que preparassem a terra para novo plantio e ordenou a um de seus braços-direitos que comprasse todos os pacotes de sementes encontráveis no mercado depois achou melhor importá-las dos mais variados tamanhos cores e feitios depois voltou atrás e achou melhor especializar-se justamente na mais banal de todas aquela vagamente redonda de pétalas brancas e miolo granuloso e conseguiu organizar em poucos minutos toda uma equipe altamente especializada e contratou novos funcionários e demitiu outros e precisou tomar uma bolinha para suportar o tempo todo o tempo todo tinha consciência da importância do jogo exaustou afundou noite adentro sem atender aos telefonemas da mulher ao lado da equipe batalhando não podia perder tempo quase à meia-noite tudo estava resolvido e a campanha seria lançada no dia seguinte não podia perder tempo comprou duas ou três gráficas para imprimir os cartazes e mandou as fábricas de latas acelerar sua produção precisava de milhões de unidades dentro de quinze dias prazo máximo porque não podia perder tempo e tudo pronto voltou pelo meio do aterro as margaridas fantasmagóricas reluzindo em branco entre o verde do aterro a cabeça quase estourando de prazer e a sensação nítida clara definida de não ter perdido tempo. Dormiu.

II

No dia seguinte, acordou mais cedo do que de costume e mandou o chofer rodar pela cidade. Os cartazes. As ruas cheias de cartazes, as pessoas meio espantadas, desceu, misturou-se com o povo, ouviu os comentários, olhou, olhou. Os cartazes. O fundo negro com uma margarida branca, redonda e amarela, destacada, nítida. Na parte inferior, o slogan:

Ponha uma margarida na sua fossa.

Sorriu. Ninguém entendia direito. Dúvidas. Suposições: um filme underground, uma campanha antitóxicos, um livro de denúncia. Ninguém entendia direito. Mas ele e sua equipe sabiam. Os jornais e revistas das duas semanas seguintes traziam textos, fotos, chamadas:

O índice de poluição dos rios é alarmante.
Não entre nessa.
Ponha uma margarida na sua fossa.

Ou

O asfalto ameaça o homem e as flores.
Cuidado.
Use uma margarida na sua fossa.

Ou

A alegria não é difícil.
Fique atento no seu canto.
Basta uma margarida na sua fossa.

Jingles. Programas de televisão. Horário nobre. Ibope. Procura desvairada de margaridas pelas praças e jardins. Não eram encontradas. Tinham desaparecido misteriosamente dos parques, lojas de flores, jardins particulares. Todos queriam margaridas. E não havia margaridas. As fossas aumentaram consideravelmente. O índice de alcoolismo subiu. A procura de drogas também. As chamadas continuavam.

O índice de suicídios no país aumentou em 50%.
Mantenha distância.
Há uma margarida na porta principal.

Contratos. Compositores. Cibernéticos. Informáticos. Escritores. Artistas plásticos. Comunicadores de massa. Cineastas. Rios de dinheiro corriam pelas folhas de pagamento. Ele sorria. Indo ou vindo pelo meio do aterro, mandava o motorista ligar o rádio e ficava ouvindo notícias sobre o surto de margaridite que assolava o país. Todos continuavam sem entender nada. Mas quinze dias depois: a explosão.
As prateleiras dos supermercados amanheceram repletas do novo produto. As pessoas faziam filas na caixa, nas portas, nas ruas. Compravam, compravam. As aulas foram suspensas. As repartições fecharam. O comércio fechou. Apenas os supermercados funcionavam sem parar. Consumiam. Consumavam. O novo produto:
margaridas cuidadosamente acondicionadas em latas, delicadas latas acrílicas. Margaridas gordas, saudáveis, coradas em sua profunda palidez. Mil utilidades: decoração, alimentação, vestuário, erotismo. Sucesso absoluto. Ele sorria. A barriga aumentava. Indo e vindo pelo aterro, mergulhado em verde, manhã e noite — ele sorria. Sociólogos do mundo inteiro vieram examinar de perto o fenômeno. Líderes feministas. Teóricos marxistas. Porcos chauvinistas. Artistas arrivistas. Milionários em férias. A margarida nacional foi aclamada como a melhor do mundo: mais uma vez a Europa se curvou ante o Brasil.
Em seguida começaram as negociações para exportação: a indústria expandiu-se de maneira incrível. Todos queriam trabalhar com margaridas enlatadas. Ele pontificava. Desquitou-se da mulher para ter casos rumorosos com atrizes em evidência. Conferências. Debates. Entrevistas. Tornou-se uma espécie de guru tropical. Comentava-se em rodinhas esotéricas que seus guias seriam remotos mercadores fenícios. Ele havia tornado feliz o seu país. Ele se sentia bom e útil e declarou uma vez na televisão que se julgava um homem realizado por poder dar amor aos outros. Declarou textualmente que o amor era o seu país. Comentou-se que estaria na sexta ou sétima grandeza. Místicos célebres escreviam ensaios onde o chamavam de mutante, iniciado, profeta da Era de Aquarius. Ele sorria. Indo e vindo. Até que um dia, abrindo uma revista, viu o anúncio:

Margarida já era, amizade.
Saca esta transa:
O barato é avenca.

III

Não demorou muito para que tudo desmoronasse. A margarida foi desmoralizada. Tripudiada. Desprestigiada. Não houve grandes problemas. Para ele, pelo menos. Mesmo os empregados, tiveram apenas o trabalho de mudar de firma, passando-se para a concorrente. O quente era a avenca. Ele já havia assegurado o seu futuro — comprara sítios, apartamentos, fazendas, tinha gordos depósitos bancários na Suíça. Arrasou com napalm as plantações deficitárias e precisou liquidar todo o estoque do produto a preços baixíssimos. Como ninguém comprasse, retirou-o de circulação e incinerou-o.
Só depois da incineração total é que lembrou que havia comprado todas as sementes de todas as margaridas. E que margarida era uma flor extinta. Foi no mesmo dia que pegou a mania de caminhar a pé pelo aterro, as mãos cruzadas atrás, rugas na testa. Uma manhã, bem de repente, uma manhã bem cedo, tão de repente quanto aquela outra, divisou um vulto em meio ao verde. O vulto veio se aproximando. Quando chegou bem perto, ele reconheceu sua ex-esposa.
Ele perguntou:
– Procura margaridas?
Ela respondeu:
– Já era.
Ele perguntou:
– Avencas?
Ela respondeu:
– Falou.
.

Imagem via google, faz tempo...

Oração e Margarida

Sobre a música "Oração", da Banda Mais Bonita da Cidade.

Orações não são coisas que costumo ler, ver, praticar. Geralmente estão ligadas a coisas religiosas, artigos que não tenho muito interesse.
Interesso-me por outro tipo de oração. Aquelas que em poesia, imagem ou som, falam ao meu coração. Essas orações, que geralmente não levam esse nome, são sempre bem-vindas.
Uma Oração, nome próprio, veio por uma amiga. Depois de uma semana de tristezas e decepções com o amor que chamam "divino".
Chorei horrores.
Veio assim, na forma de amor "terreno", desses que acreditam na comunicação entre as criaturas. Esse sentimento de fraternidade, sereno, confiável, é oração e abrigo em si.

Aqui, pras criaturas que amo.
Também para as que quero bem (mesmo aquelas com as quais não tenho - ainda?- muita "hora-atividade")
Afinal "coração não é tão simples quanto pensa, nele cabe o que não cabe na dispensa" (...)





Na delicada direção do clip (a poesia da imagem, se aliando a das palavras e som) reparei uma margarida no bolso do rapaz. Flor que logo depois ele dá pra uma moça, que joga pra cima e voltamos à bagunça da celebração conjunta...

Tem um conto de Caio Fernando Abreu, que ele fala das margaridas (enlatadas)... Uma referência à moda, coisas descartáveis, passageiras e da sociedade de consumo... Enfim, aquela margarida do vídeo é o avesso dessa do conto.

Para quem quiser ler o conto, clique AQUI.
Sigo, e o coração vai amando.
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quarta-feira, 18 de maio de 2011

Cordel d'A Greve em Diadema


Hoje entramos no 20º dia de greve na prefeitura de Diadema.
O prefeito aqui talvez não se lembre que é do PT - Partido dos Trabalhadores, de forma que não quer repor as perdas que tivemos com a inflação... Parece que para ele "trabalhador" é só o alheio, não vale para "os dele", sei lá.

Seja como for fica alardeando pela cidade, gastando inclusive dinheiro da prefeitura na gráfica (papel super bom e impressão em várias cores) pra dizer para a população que ofereceu 10% prxs funcionárixs e não quisemos. Só esqueceu de dizer que isso começava com 2% em DEZEMBRO DE 2011 e ia pingando 2% até SETEMBRO DE 2012...

Vai ver que essa fortuna que a prefeitura gastará conosco só não levará os cofres públicos à falência devido à profecia de que o mundo acabará em dezembro de 2012. Assim só desfrutaremos da reposição total (que nos fará inclusive esquecer da inflação de 2011, que aqui nem está sendo computada) por dois longos meses.

Podia contar aqui muitas coisas mentirosas que ele anda dizendo, da pressão injusta que anda fazendo, mas pra quê? Ele não vale a pena.

Ainda bem que tem poesia nisso tudo. O povo aqui endurece mas não perde a ternura, como dizia Che.
Trago para cá o cordel de Nando Poeta, que na expressão popular conta de nossa luta com bravura e sensibilidade. Tivemos a honra de ouvir essa tarde, no plenário da Câmara dos Vereadores de Diadema, que ocupamos desde o dia 12 de maio.

Antes de me despedir, preciso dizer duas coisas:
1) Nando Poeta, obrigada!
2) A greve continua. Reali, a culpa é sua!

A Greve de Diadema
Por Nando Poeta


O Prefeito não respeita
Servidor de Diadema.
Se nega atender direitos
Fazendo grande blasfema.
A greve surgiu com força
Para acabar com dilema.

Já são mais de vinte dias
Que estamos paralisados.
A categoria unida
Buscando seus resultados.
Um aumento que traduza
Salários serem aumentados.

A greve é a fortaleza
De quem vive da labuta.
É união e a força
Para vencer essa luta.
Contra a forte intransigência
Do Prefeito, absoluta.

Em cada dia que passa
A greve fica mais forte.
A saúde e a educação
Tem dado grande suporte.
Unir as secretarias
Esse é o grande norte.

Queremos cortar o vinculo
Com SP alimentos
Que serve a sua ração
Deixando bucho em tormentos
E na máfia da merenda
Recebe um dos acentos.

Prefeito Má-rio Re-a-li
A culpa é toda sua.
Por não atender a luta
Essa greve continua.
O servidor trabalhando
Expediente na rua.

Prefeito na contra mão
Pra greve fecha o sinal.
Proíbe a turma do transito
Conosco ser cordial,
Mas o comando de greve
Tem o CET pessoal.

A turma que negocia
A mando da prefeitura.
Fatinha, Adelaide, Airton
Ninguém hoje mais atura.
Garavelo e “O”misso
Faz do servidor fritura.

Quando vai negociar
Eles pedem mais um tempo.
Diz sempre faltar recursos
Num discurso bem destempo.
Falando que nossa greve
Ela é um contratempo.

O nosso movimento
Diz: basta de enrolação.
Queremos que o salário
Enfrente a inflação.
Por isso que o aumento
É saída, é solução.

São todas secretarias
A frente do movimento.
Exigindo do prefeito
O nosso justo aumento.
Servidor valorizado
Esse é o grande intento.

O movimento grevista
Mostra garra e unidade.
Seguindo a trilha da luta
Tem apoio da cidade,
Sempre berço de batalhas
Vencendo a barbaridade.

Blog do poeta Nando: http://tributoaocordel.blogspot.com/

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Resumo do voto do Ministro Ayres Britto


Hoje é um dia histórico. Em 05 de maio de 2011 nos sentimos mais gente!

Parece bobeira pra muitxs, mas não poder ser reconhecidxs como família dói fundo. Quer dizer, doía! Porque, na votação do Supremo Tribunal Federal, o SIM à união estável entre pessoas do mesmo sexo já é maioria. Vitória!

O ministro Gilmar Mendes torturou nossos corações, foi questionado pelos colegas por suas interpretações e acabou votando a favor da igualdade de direitos.

Já ontem, o ministro relator Ayres Britto arrancou lágrimas de felicidade das pessoas que ouviam seu voto.

Quem se interessa pelo tema esteve atendo ontem e hoje, o facebook não conseguia atualizar tantas inserções de comentários, ficou lento, lento... Voltou ao normal quando obtivemos maioria, 6 X 0! No momento já estamos em 8 X 0 e como creio que ninguém vai ter "coragem" de votar contra, ganharemos por unanimidade.

Deixo aqui parte do voto do poético relator, que no original teve 49 páginas, com direito a citar a Constituição Federal, Jean-Paul Sartre, Friedrich Nietzsche, Carl Gustav Jung e (até) Chico Chavier.

Baixe o voto na íntegra AQUI.

Abaixo, o que eu não consegui excluir do "resumo".
...........................................................................

V O T O

O Senhor Ministro Ayres Britto (Relator):

(...)

Com o que este Plenário terá bem mais abrangentes possibilidades de, pela primeira vez no curso de sua longa história, apreciar o mérito dessa tão recorrente quanto intrinsecamente relevante controvérsia em torno da união estável entre pessoas do mesmo sexo, com todos os seus consectários jurídicos. Em suma, estamos a lidar com um tipo de dissenso judicial que reflete o fato histórico de que nada incomoda mais as pessoas do que a preferência sexual alheia, quando tal preferência já não corresponde ao padrão social da heterossexualidade. É a perene postura de reação conservadora aos que, nos insondáveis domínios do afeto, soltam por inteiro as amarras desse navio chamado coração.

(...)

É como dizer: se o corpo se divide em partes, tanto quanto a alma se divide em princípios, o Direito só tem uma coisa a fazer: tutelar a voluntária mescla de tais partes e princípios numa amorosa unidade. Que termina sendo a própria simbiose do corpo e da alma de pessoas que apenas desejam conciliar pelo modo mais solto e orgânico possível sua dualidade personativa em um sólido conjunto, experimentando aquela nirvânica aritmética amorosa que Jean-Paul Sartre sintetizou na fórmula de que: na matemática do amor, um mais um... é igual a um;

(...)

A Constituição Federal não faz a menor diferenciação entre a família formalmente constituída e aquela existente ao rés dos fatos. Como também não distingue entre a família que se forma por sujeitos heteroafetivos e a que se constitui por pessoas de inclinação homoafetiva. Por isso que, sem nenhuma ginástica mental ou alquimia interpretativa, dá para compreender que a nossa Magna Carta não emprestou ao substantivo “família” nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica.

(...)

Assim interpretando por forma não reducionista o conceito de família, penso que este STF fará o que lhe compete: manter a Constituição na posse do seu fundamental atributo da coerência, pois o conceito contrário implicaria forçar o nosso Magno Texto a incorrer, ele mesmo, em discurso indisfarçavelmente preconceituoso ou homofóbico. Quando o certo − data vênia de opinião divergente - é extrair do sistema de comandos da Constituição os encadeados juízos que precedentemente verbalizamos, agora arrematados com a proposição de que a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Entendida esta, no âmbito das duas tipologias de sujeitos jurídicos, como um núcleo doméstico independente de qualquer outro e constituído, em regra, com as mesmas notas factuais da visibilidade, continuidade e durabilidade. Pena de se consagrar uma liberdade homoafetiva pela metade ou condenada a encontros tão ocasionais quanto clandestinos ou subterrâneos. Uma canhestra liberdade “mais ou menos”, para lembrar um poema alegadamente psicografado pelo tão prestigiado médium brasileiro Chico Xavier, hoje falecido, que, iniciando pelos versos de que “A gente pode morar numa casa mais ou menos,/Numa rua mais ou menos,/ Numa cidade mais ou menos”/ E até ter um governo mais ou menos”, assim conclui a sua lúcida mensagem: “O que a gente não pode mesmo,/ Nunca, de jeito nenhum,/ É amar mais ou menos,/ É sonhar mais ou menos,/ É ser amigo mais ou menos,/ (...) Senão a gente corre o risco de se tornar uma pessoa mais ou menos”.

Passemos, então, a partir desse contexto normativo da família como base da sociedade e entidade credora da especial tutela do Estado.

(...)

Logo, que não se faça uso da letra da Constituição para matar o seu espírito, (...) Ou como diz Sérgio da Silva Mendes, que não se separe por um parágrafo (esse de nº 3) o que a vida uniu pelo afeto. Numa nova metáfora, não se pode fazer rolar a cabeça do artigo 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro; II.3. que a terminologia “entidade familiar” não significa algo diferente de “família”, pois não há hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo núcleo doméstico. Estou a dizer: a expressão “entidade familiar” não foi usada para designar um tipo inferior de unidade doméstica, porque apenas a meio caminho da família que se forma pelo casamento civil. Não foi e não é isso, pois inexiste essa figura da sub-família, família de segunda classe ou família “mais ou menos” (relembrando o poema de Chico Xavier). O fraseado apenas foi usado como sinônimo perfeito de família, que é um organismo, um aparelho, uma entidade, embora sem personalidade jurídica. Logo, diferentemente do casamento ou da própria união estável, a família não se define como simples instituto ou figura de direito em sentido meramente objetivo. Essas duas objetivas figuras de direito que são o casamento civil e a união estável é que se distinguem mutuamente, mas o resultado a que chegam é idêntico: uma nova família, ou, se se prefere, Uma nova “entidade familiar”, seja a constituída por pares homoafetivos, seja a formada por casais heteroafetivos.

(...)

E nunca apareceu ninguém, nem certamente vai aparecer, para sustentar a tese de que “entidade autárquica” não é “autarquia”, nem “entidade federativa” é algo diferente de “Federação”. Por que entidade familiar não é família? E família por inteiro (não pela metade)?

Que as diferenças nodulares entre “união estável” e “casamento civil” já são antecipadas pela própria Constituição, como, por ilustração, a submissão da união estável à prova dessa estabilidade (que só pode ser um requisito de natureza temporal), exigência que não é feita para o casamento. Ou quando a Constituição cuida da forma de dissolução do casamento civil (divórcio), deixando de fazê-lo quanto à união estável (§6º do art. 226). Mas tanto numa quanto noutra modalidade de legítima constituição da família, nenhuma referência é feita à interdição, ou à possibilidade,de protagonização por pessoas do mesmo sexo. Desde que preenchidas, também por evidente, as condições legalmente impostas aos casais heteroafetivos. Inteligência que se robustece com a proposição de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um interesse de outrem.

E já vimos que a contraparte específica ou o focado contraponto jurídico dos sujeitos homoafetivos só podem ser os indivíduos heteroafetivos, e o fato é que a tais indivíduos não assiste o direito à não-equiparação jurídica com os primeiros. Visto que sua heteroafetividade em si não os torna superiores em nada. Não os beneficia com a titularidade exclusiva do direito à constituição de uma família. Aqui, o reino é da igualdade pura e simples, pois não se pode alegar que os heteroafetivos perdem se os homoafetivos ganham. E quanto à sociedade como um todo, sua estruturação é de se dar, já o dissemos, com fincas na fraternidade, no pluralismo e na proibição do preconceito, conforme os expressos dizeres do preâmbulo da nossa Constituição.

(...)

No mérito, julgo procedentes as duas ações em causa. Pelo que dou ao art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de “família”. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas conseqüências da união estável heteroafetiva. É como voto.

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Fonte da imagem: roubo do perfil de Alexandra Peixoto no Facebook.

domingo, 1 de maio de 2011

Homofobia e Solidariedade

Dia 28 de abril, recebi uma nota que dizia "Subsede Vale do Paraíba e Litoral Norte reitera seu posicionamento contra a homofobia". No texto dizia que um dos colaboradores do Conselho Regional de Psicologia- SP foi vítima de homofobia, e que a citada Subsede se unia ao coro dos banhistas de Ubatuba a favor da diversidade e “liberdade de ser” de tod@s.

Chateada com o ocorrido, mas satisfeita com a nota, procurei o colega Vinícius para saber um pouco mais. Queria saber se ele estava bem e se tinha publicado em algum lugar o ocorrido. Se, por assim dizer, tinha colocado a boca no trombone virtual.

Como ele não tem esse costume, coloquei esse espaço à disposição e ele topou a idéia. Simplesmente não nos conformamos que pessoas sejam constrangidas e violentadas apenas por frequentar a praia, aproveitar o feriado de Páscoa, exercer o seu direito de ir e vir...

Felizmente ele acredita que "a humanidade ainda tem jeito". Lendo seu relato, também tendo a acreditar.
A Vinícius, minha solidariedade.
A vocês, os acontecimentos:

DESABAFO (Vinícius Samuel)

Neste ultimo sábado, dia 22 de abril – véspera de páscoa – fui para Ubatuba com meus amigos, mais precisamente para a praia da Itamambuca. Esta viajem, ao meu ver, foi no mínimo inusitada, para não dizer enriquecedora.

Ao chegarmos na praia, estendemos quatro cangas no chão, acomodamos nossos pertences e quando estávamos acomodados fui olhar uma barraquinha de praia que tinhas algumas coisas as quais me atraíram.

Ao retornar para o local onde estávamos acomodados, vi meu amigo Amauri se levantando da areia e um senhor berrando com os meus amigos. Sem entender, cheguei impondo limites e perguntando o que estava acontecendo ali. O senhor que ali estava – alterado – me respondeu aos berros que meus amigos estavam passando protetor solar, e que isso era coisa de “boiola”, “Bicha”.

Para evitar maiores absurdos, pedi para o senhor para que se acalmasse, disse que não precisaria se exaltar, quando então ele pegou um remo que estava próximo e ameaçou agredir a todos. Absurdado com o que estava presenciando disse a ele que estava chamando a polícia, e que não teria motivo algum para cometer tal barbárie.

Então, após ter ligado para a policia, fiquei no local esperando o policial chegar. Neste meio tempo o senhor exaltado ofendia a nós todos, dizia absurdos e nos jogava latas amassadas de cerveja. Em um certo momento tive receio de ficar esperando ali, ele veio e chutou nossa garrafa de água mineral!

Com uma hora de espera o Apoio da Praia – que faz a segurança do residencial Itamambuca – chegou, me apresentei ao Apoio e disse o que estava acontecendo. O Apoio chamou o senhor de canto, conversou com ele, disse que todos ali tinham o mesmo direto, e que ninguém iria agredir ninguém, porém, eles não poderiam ficar ali para resguardar a segurança de ninguém, teriam de partir para continuar a ronda na praia. Nem bem ficaram quinze minutos, e já partiram.

Ao se ver novamente sem uma censura de seu comportamento agressivo, o senhor exaltado retornou ao seu comportamento ofensivo, que nestas alturas já incomodava não apenas a nós, mas quem ali estava com seus familiares e amigos.

Cansados com que estava acontecendo, e já desesperançosos com a vinda de alguma polícia, após UMA HORA E MEIA de espera por uma polícia que não chegava, resolvemos sair de onde estávamos para não acabarmos sendo agredidos pelo senhor exaltado. Tão logo retiramos a primeira canga do chão, eis que como num passe de mágica uma intervenção quase que divina vem ao nosso socorro, a população da praia, já cansada de todo stress gerado pelo papelão que o senhor causara se manifestou nos dizendo que dali nós não sairíamos. Neste momento senti em meu coração um alivio imenso, como se uma grande pressão que atormentava sumisse. Me senti aceito do jeito que sou por pessoas que nem conhecia, não sabia quem eram.

Nesta massa estavam famílias inteiras, pessoas que se uniram frente a uma injustiça que estava sendo acometida naquele momento e naquele lugar. Pessoas que eu mesmo jamais imaginaria que tomariam a posição que tomaram, até mesmo os surfistas se aglomeraram a massa que se formou para conter o senhor exaltado que queria nos agredir, e há horas nos ofendia com palavras de baixo calão. Neste momento confesso, o sentimento de acolhimento foi intenso, alguns amigos chegaram a chorar de emoção, e eu fui tomado por um sentimento bom.

Como me disse um amigo neste dia: “Em fim acredito que a humanidade tem jeito.”

São as pequenas atitudes que fazem as grandes diferenças.

Com mais de duas horas de atraso a polícia chegou, neste momento já bem mais aliviado relatei ao policia o que havia acontecido ali, o mesmo rio e me disse que não teria nada a fazer então, já que o senhor já não estava mais lá.

Nunca na minha vida tinha passado por este tipo de constrangimento, principalmente pelo meu jeito de ser, muito menos por um pouco de protetor solar, mas hoje sei que estou no caminho certo e amo cada vez mais a minha profissão e meu papel enquanto psicólogo.

Meus amigos e eu somos homossexuais sim, e isso não dá a ninguém o direito de nos desrespeitar de forma alguma.

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Fonte da imagens: enviadas pelo próprio Vinícius