segunda-feira, 8 de março de 2010

Pro inferno com essa de sexo frágil


Recebi o texto abaixo de Ana e o link de Carmem.
Concordo em grande parte com o que o autor diz.

Seja como for, até hoje tem gente (principalmente os homens) que me dizem que não entenderam porque algumas pessoas (principalmente as mulheres) ficaram indignadas com a propaganda que foi tirada do ar!

Ah, sem contar que hoje na hora do almoço tive que ouvir os parabéns de um guarda civil municipal de Diadema e seu comentário que melhor era nos tempos antigos, quando a mulher era valorizada. Pra ganhar minha simpatia ele ainda explicou que valorizar é ceder o assento no ônibus, abrir a porta do carro e carregar as compras. Pra fechar com chave de ouro ele disse que quando a mulher era valorizada, os gêneros se entendiam (sim, ele usou a palavra gênero!).

SOCORRO! Troco meu assento por direitos iguais de fato! Pro inferno com essa de sexo frágil!

E ainda tem gente que acha que o dia 08 de março é de comemoração!
Nosso dia é de luta, pois tem muita coisa por mudar.

Que hoje nossas forças se renovem!
_Salve o Oito de Março!


A devassa da Devassa

Suspensão de propaganda de cerveja estrelada por Paris Hilton escancara os limites do "politicamente correto" e aponta para o desgaste do erotismo na sociedade atual
RENATO JANINE RIBEIRO-
ESPECIAL PARA A FOLHA

Provei a cerveja Devassa num dia no aeroporto. Mas, quando vi na TV sua propaganda com uma norte-americana rica que deve a fama a um vídeo pornô que circulou na internet, achei de mau gosto e perdi a simpatia pela bebida. Ponto. Agora, quando o Conar retirou a propaganda do ar, vale a pena discutir um pouco o assunto.

O Conar é um órgão privado -Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Quando alguém fala em regular os excessos da televisão, a mídia costuma citar o Conar como exemplo de como fazê-lo sem o Estado intervir. Quando se para de falar em regulação social, esquece-se o Conar. De todo modo, ele nada tem a ver com o governo.

Numa pesquisa de 2000 que publiquei em meu livro "O Afeto Autoritário" (ed. Ateliê), analisei os julgamentos do Conar que encontrei. Notei uma certa contradição. Quando o Conselho de Enfermagem reclamou de quatro propagandas mostrando enfermeiras como mulheres fáceis, o Conar concordou e as publicidades sumiram.

Já quando psicólogos reclamaram duas vezes porque sua profissão era ridicularizada, o Conar disse que as propagandas eram, só, engraçadas. Em suma, onde para uns há humor, para outros há preconceito; mas a linha de corte depende, muito, do grau de mobilização dos que se sentem ofendidos.

A questão do humor ou do preconceito é ponto em que a publicidade converge com uma preferência dos jornalistas que tratam de entretenimento e variedades: segundo eles, o politicamente correto se distinguiria pela falta de humor. O elogio-padrão a uma peça de teatro engraçada diz que ela é "politicamente incorreta".
"Politicamente correto" é um termo pejorativo, usado para criticar a preocupação, nascida nos EUA, de movimentos sociais com expressões que depreciam grupos historicamente perseguidos. Por exemplo, os verbos denegrir e judiar vêm do preconceito contra negros e judeus -embora ninguém pense nisso hoje, quando os usa.


Piada de português
É difícil, mas necessário, separar o que é justo, para combater um preconceito de largas raízes históricas, e o que é excesso de algumas pessoas que levam, com boa-fé ou mesmo sem ela, longe demais a suscetibilidade. Denegrir, judiar, humor negro não me parecem exprimir, hoje, preconceito. Tampouco vejo problema em piadas de loira, de português, de papagaio e do Juquinha. Já afirmar que "o asfalto é o preto de quem todo mundo gosta", como disse um ministro dos Transportes em 1997, é grave.

E o é justamente porque o ministro o disse sem maldade: mostra que em nossos costumes há brincadeiras preconceituosas que rotulam negativamente grupos discriminados. Sem o "politicamente correto", isso passaria batido.

A propaganda da Devassa recorda que, na TV brasileira, a publicidade de cerveja a alia a mulheres gostosas. Lembro uma publicidade que fazia um corpo feminino tornar-se garrafa de cerveja. Mulheres são convertidas em coisa, em objeto de consumo? São, sim. Aparecer em propaganda de cerveja é coisa de gostosa. Recentemente, [o colunista da Folha] José Simão foi proibido de dizer que uma atriz era devassa (porque a personagem dela, não ela como pessoa, tinha um "bar da Boa").

Se Hilton aceita aparecer como devassa -mesmo acreditando que a palavra quer dizer apenas "sexy", como sua equipe declarou à Folha-, talvez seja uma resposta ao "affair" Simão: ela aceita fundir sua pessoa com sua personagem. Quem gosta de cerveja gosta de gostosa, portanto, cerveja é gostosa, talvez devassa.

Mas, se não há diferença entre a mulher-garrafa e a "devassa", por que saiu do ar esta última propaganda? O Conar pode ter mudado sua percepção das sensibilidades sociais. A redução da mulher a objeto se teria tornado intolerável. Se o Conar deu razão às enfermeiras, mas não aos psicólogos, é porque atua sob pressão -o que é outro modo de dizer que é atento à sensibilidade social.

Pois, se um indivíduo é injustiçado e só consegue justiça fazendo pressão, isso é errado. Mas, se um grupo maior se sente injustiçado e só obtém o que deseja pressionando, isso pode ser positivo. Nas relações macrossociais, justiça não se dá, não se recebe passivamente, mas se constrói. Por isso, se as mulheres recusam o papel de objeto, a decisão do Conar pode ser uma conquista delas.
Contudo, para várias mulheres, tornar-se objeto não é redução, mas aumento, de poder.

"Playboy" e "Big Brother"
É o que leva algumas ao "Big Brother Brasil". Nos anos 90, a revista "Playboy" colhia suas capas nas novelas da Globo.

Hoje, seu maior estoque é o "BBB". Há décadas, a mulher que posava para calendários de borracharia saía mal na reputação. Mas, hoje, na mídia, é ela, como objeto de desejo, que controla o sujeito desejante.

O jogo ficou mais complexo. O sujeito não manda, necessariamente, no objeto. Há mulheres que extraem poder de uma condição de objeto habilmente constituída. Madonna explicitou isso com seus clipes, com seu livro "Sex". O problema é que essa não é uma verdade universal nem majoritária. A mulher atacada sexualmente na rua não controla nada, não tem poder, é vítima de uma violência inadmissível.

Mas um número menor de mulheres -que consegue ser protagonista do que [o filósofo] Walter Benjamin chamava a reprodução mecânica e que hoje chamaríamos a imagem na mídia- ganha dinheiro, fama, poder com isso.

O problema é que há mais estupros do que capas de "Playboy", de modo que o poder e a riqueza de algumas não apagam o abuso sobre muitas. Finalmente: quando a mídia defende o direito (da cervejaria? da socialite? do espectador voyeur?) à propaganda com Paris Hilton, vivemos um fenômeno de desgaste: durante milênios o erotismo esteve no jogo entre o que se vê e o que apenas se adivinha. Mostrar dependia de esconder. Um autor árabe fala do erotismo que emana de um corpo velado: ele se faz imaginar pelo som das joias se chocando, pelo perfume, pelo movimento do corpo andando. Erotismo é imaginação.

Ora, como ficam as coisas quando o corpo se desnuda tanto? Não se trata apenas de transformar a mulher em objeto. Pois muda o registro sensual do corpo. Seria errado achar que as mulheres despidas suscitam menor desejo do que as imaginadas. Nossa sociedade se sexualizou intensamente, com a mostra ilimitada dos corpos objetos.

Falta de imaginação
Não creio que isso vá embotar o desejo, embora digam alguns que é de sua natureza buscar o difícil e desdenhar o fácil. Mas o certo é que, entre o desejo e a realização, o prazo diminuiu. Imaginação exige tempo, demora, frustração, desvio. Corpos se oferecem, se tomam, como cervejas, mas parece que, se aumentou o acesso físico ao corpo alheio, reduziu-se a capacidade de imaginar. Sexo, talvez, sem erotismo.


RENATO JANINE RIBEIRO é professor titular de ética e filosofia política na USP. O título deste texto é uma homenagem do autor, totalmente fora de contexto, ao belo livro de Kenneth Maxwell sobre a Inconfidência Mineira (Paz e Terra).
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5 comentários:

Ana disse...

Ah, que bom que você também gostou do texto! E gostei demais da sua introdução também! Beijoca!

Anônimo disse...

Não acho que "ceder o lugar no onibus" seja uma questão de fragilidade... são gentilezas, apenas.
Agora, a história dos "gêneros se entenderem" realmente é frustrante... significa que se entender é ser submisso ao outro e não lutar contra isso...
uma pena!

Anônimo disse...

PS.: se vc mesma fosse tão veemente a favor a desconstrução do gênero, não faria esse blog completamente cor-de-rosa-choque-ai-que-dor-no-olho....

Janaína Leslão disse...

Sim, ceder lugar no ônibus deveria ser apenas uma gentileza. Concordo.
Porém a maioria dos homens não gostam quando as mulheres lhes cedem o lugar. Ao contrário, acham um absurdo! Mesmo quando eles estão visivelmente exaustos ou são mais velhos...
Essa gentileza que não é de mão dupla é uma armadilha! Obriga os homens a sempre estarem dispostos, serem fortes, etc... Não é bacana pra ninguém.

Janaína Leslão disse...

Quanto as cores estão aí pra serem usadas por quem delas gostar.
O questão não é a cor, e sim os olhos e a interpretação de quem vê!

Agora, a sério que sou a favor da descontrução dos gêneros?
Uau, que chuva de "verdades" sobre mim! Tá na hora de comprar uma bola de cristal, tem gente que vai levar a sério!

PS: essa resposta está mais azeda só porque "seu olho doeu"... e isso não foi gentil!