Melhor que ler é viver, ouvir, ver, estar.
Mas como muitos não estavam, escrevendo empresto meus olhos, ouvidos e alguns pensamentos:
Era por volta das 22h do dia 27 de novembro de 2013. Acabava
de ocorrer a histórica posse do Conselho Estadual dos Direitos da População de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais do Estado de São Paulo.
Histórica porque foi a primeira, com direito a eleições
diretas, regionalizadas e por seguimento. Mas o que presenciaríamos a seguir,
se não histórico, era, ao menos, inacreditável naquele contexto.
Saindo da câmara municipal de São Paulo, após o coquetel da
posse, as pessoas se aglomeravam em frente ao prédio para trocar suas últimas impressões
sobre o evento, combinar carona para o lugar de origem e outras miudezas. Eis
que em meio ao zumzumzum ouve-se gritos. E choro.
Caminhei em direção à confusão. Abro espaço e passo. Queria verificar o que estava acontecendo. E quando vi, ouvi, senti a cena, levei alguns
segundos para acreditar:
Na calçada estavam dois conselheiros recém empossados. Eles
em pé, cabeça erguida, gritavam com uma jovem trans, apontavam para ela.
Ela, acuada, cabisbaixa, sentada na floreira que enfeita as
grades da “casa do conselho” de antigamente, ou da “casa do povo” dos atuais
otimistas. Chorava.
O gênero masculino acusava. O gênero feminino calava.
Como não intervir?
_Ela é louca _dizia “um”².
_Uma viciada _ dizia “outro”.
Argumentei que aquilo era violência. Pedi que parassem de
gritar. Que aquela cena era absurda, que a moça estava sendo constrangida, acusada
e ofendida. Que aquela exposição era desnecessária...
_Eu só estou pedindo para que parem de gritar! _ falei.
_Você não a conhece, é uma viciada em hormônios. Saiu e foi
ali comprar_ dizia “outro” apontando para o lado oposto da rua.
_Se você quiser eu mando o prontuário dela pro seu email _
falou “um”_ aí você vai conhecer toda a história dela.
_Quando eu quiser saber da história dela, quem me contará
será ela e não vocês, que gritam ao quatro ventos ou propõem emails com
prontuário alheio_ respondi, pensando que acesso era aquele que “um” tem a
prontuários...
_Está vendo “um”_ disse "outro" se dirigindo ao amigo_ essa aí só quer saber de "clinicar", não
se interessa em saber o que acontece com as pessoas, não quer saber de nada e
fica se intrometendo!
Incrédula, me afastei. Não havia possibilidade de interlocução...
E os gritos se transformaram em vozes altas e foram se dispersando as declarações absurdas, no meio
do Viaduto Jacareí, nº 100, da cidade de São Paulo.
Naquela noite, eu e outras tantas pessoas, fomos
violentadas. Tanto quem teve sua história (?) espalhada para estranhxs quanto quem foi submetidx a essa cena de violência. Violência psicológica
devido ao constrangimento e humilhação. Violência moral devido a difamação.
A reunião na câmara, que era para ser apenas de comemoração ao
nascimento de um conselho de direitos, foi cenário da exposição da vida íntima
de uma pessoa. Pessoa esta que pertence a uma das populações mais vulneráveis
que temos notícia na atualidade: a população de travestis e transexuais. Afinal, eu que nunca troquei meia palavra com
aquela moça, hoje, tenho idéias, verdadeiras ou não, de que ela ainda é uma
adolescente, tomava hormônios de 4 em 4 horas, está sob a guarda do Estado e um
dia foi “ajudada” por aqueles que estavam a ofendendo.
No dia 27 de novembro de 2013, também tivemos uma
demonstração do machismo vigente no seio na comunidade LGBT: dois homens do
gênero masculino violentaram uma trans do gênero feminino em público.
Relato o que vi, mas eu não estava sozinha!
Infelizmente coisas assim vão continuar acontecendo enquanto
os homens gays e bi não enxergarem que o que alimenta a homofobia é o machismo;
enquanto xs machistas não perceberem que o machismo também xs oprime; enquanto
xs oprimidxs não descobrirem que elxs é que dão poder ao opressor; enquanto as pessoas
não perceberem que somos todxs iguais, apesar deste sistema que ensina que umas
pessoas são melhores que as outras, que tudo é uma questão de “mérito”, de
“escolha”, de “sorte”, de “destino”, ou
seja lá o que for que tira a responsabilidade coletiva (minha, sua e deles) dos
rumos que as pessoas e a nossa sociedade toma.
Não sou otimista. Creio que a humanidade não deu certo, e
nem dará! Mas podemos lutar para ter alguns bons exemplos de exceção, que
obviamente serão para confirmar a regra anterior.
Devaneios? Companhia?
...
Devaneios? Companhia?
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(1) Dia da Visibilidade Trans
(2) Não cito nomes porque esta postagem deseja gerar reflexão e não fazer uma denúncia. No mais, como já diz o subtítulo do blog devaneios são devaneios...
(2) Não cito nomes porque esta postagem deseja gerar reflexão e não fazer uma denúncia. No mais, como já diz o subtítulo do blog devaneios são devaneios...
(3) No outro dia pela manhã fiquei sabendo por outras moças
trans que o “um” foi chamado durante a cerimônia de posse porque a garota estava trancada no banheiro e ameaçava se matar, saltando da janela d prédio.
Inúmeras pessoas já haviam tentado em vão que ela abrisse a porta de onde
estava. Contaram-me ainda que “um” chegou na porta do banheiro, fez-lhe uma ameaça
e ela imediatamente abriu a tal porta. Essa parte eu não (ou)vi, apenas ouvi
dizer. Porém, seja lá como for, uma pessoa que está ameaçando se matar durante
a posse de um conselho de direitos está de fato em sofrimento e pedindo ajuda.
Não é motivo sequer para usarmos a palavra “incômodo”, quem dirá motivo para
violenta-la ainda mais, no privado ou no público.
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